Está encontrada a grande figura dos Europeus de Barcelona. O jovem francês Christophe Lemaitre, de apenas 20 anos, um desconhecido há poucos meses, somou ontem a vitória dos 200 metros à dos 100, em duas empolgantes finais que ficarão para a história da modalidade no Velho Continente. Nos 100 metros - a inesquecível final com quatro homens em 10,18 segundos, entre eles Francis Obikwelu -, o gaulês venceu destacado, em 10,11s. Ontem, venceu os 200 por um peito quando tu- do parecia perdido, cortando a meta com 20,37 segundos, à frente do britânico Christian Malcon (20,38s). Apesar do seu estilo desajeitado, num físico mais para o magro, Lemaitre ganha aos 20 anos o estatuto do único atleta branco a intrometer-se no reino negro da velocidade..O jovem francês já havia escrito esta época uma página da história do atletismo, ao tornar-se o primeiro caucasiano a baixar a barreira mítica dos 10 segundos aos 100 metros, durante os campeonatos de França, em Valence. Então, venceu em 9,98 segundos, tornando-se o 72.º atleta a baixar dos 10,00s no hectómetro, desde a implementação da cronometragem electrónica, em 1968. A marca permitiu-lhe também bater o recorde de França, melhorando em um centésimo o anterior máximo, de Ronald Pognon (2005)..Ao melhorar quatro centésimos no seu recorde pessoal, Lemaitre conseguiu uma marca excelente no contexto europeu, mas o francês ocupa ainda um modesto 56.º lugar na lista mundial de todos os tempos. A singularidade do feito reside, então, no facto de estar no início de uma carreira internacional e de ser caucasiano, ao contrário de todos os outros 71 velocistas que conseguiram baixar dos 10 segundos. Antes dele, só o tinham feito negros, africanos ou de origem africana - à excepção do australiano Patrick Johnson (9,93s), filho de pai irlandês e mãe aborígene. .O feito colocou-o em destaque em toda a imprensa europeia, mesmo se Lemaitre está ainda bem longe do jamaicano Usain Bolt, detentor do recorde mundial dos 100 metros, com 9,58s. O francês é um branco num reino que era exclusivo de negros, desde que o norte-americano Jim Hines correu os 100 metros em menos de 10 segundos, em 1968. A maioria dos especialistas não ficou impressionada objectivamente com o resultado, questionando, pelo contrário, como é que só agora um atleta branco logrou essa marca histórica..Recorde-se que há muito que esta marca era ameaçada. O polaco Marian Voronin já havia corrido a distância em 10,00s, em 1984, tal como o japonês Koji Ito, em 1998. E o mítico italiano Pietro Mennea, ex-recordista mundial dos 200 metros, com 19,72s em 1978, correu também nesse ano, na altitude do México, em 10,01..O campeão da França sabe que ainda tem um grande espaço para melhorias. "9,98s não é grande coisa. Poderia dar acesso a uma final do mundial, mas não dá para um pódio", disse Lemaitre. O jovem velocista francês é o primeiro a não valorizar muito o seu feito: "Sentia que podia baixar dos 10,00, mas esta mediatização por causa da cor da pele não é argumento. Acho até que é um pouco inútil, incomoda--me um pouco, mesmo. Para mim, é mais uma questão de trabalho. Este resultado representa dez horas de treino por semana", recorda. ."No resto do tempo, realizo actividades das pessoas da minha idade: saio, vou ao cinema. Para já, dez horas de treino é suficiente", diz Lemaitre, que confessa ter trocado o andebol pelo atletismo, aos 15 anos, por causa de um certo individualismo, e fixou uma meta na sua carreira: "A minha ambição é ser medalhado olímpico, independentemente da cor da medalha, em Londres 2012."